terça-feira, 4 de janeiro de 2011

PARTE III - DEPOIS DA NOITE QUENTE: DOR, DESCONTROLE E MEDO - (clique aqui e leia a partir da parte I)


“O uso de drogas levou-me a uma série de fracassos em todas as áreas de minha vida, o reviver contínuo destes fracassos me afundou em uma realidade de dor, descontrole e medo.”


Quando comecei a usar drogas, não imaginava que isto iria afetar todas as áreas de minha vida, sabia sim que as drogas eram danosas e que destruíam as pessoas, mas tinha uma convicção ignorante que iria controlar o uso e que ao menor sinal de descontrole, frearia o uso, pois julgava ter aquilo que não via nos nóias, a consciência.

Desta forma, posso dizer que meu início de drogadição, foi tranqüilo, sem maiores preocupações. Sem eu perceber, a vida começava a se desenrolar em função da droga.


PRIMEIRO FRACASSO: ESCOLA

Saia para ir à escola (com intenção mesmo de ir à escola), mas mudava meu destino quando via algum colega de vício, costuma dizer “hoje eu nem ia usar”, mas acabava usando.

Eu que nunca fui um aluno exemplar, começava a afundar meus estudos com o excesso de faltas, reprovei por vários anos seguidos, prejudicando não só minha vida estudantil, como o futuro profissional, cheguei a dizer para minha família que estava em uma série, quando na realidade estava em uma anterior, sou de uma família que valoriza a educação, por isso, não pude sustentar essa mentira por muito tempo. Não demorou e parei de estudar, sem completar se quer o ensino fundamental.


SEGUNDO FRACASSO: FAMÍLIA (o que mais dói)

A família se defende como pode, e uma defesa, é não enxergar o problema, soma-se a isso uma personalidade extremamente dissimuladora que se adquiri facilmente com o uso de drogas e o dependente consegue ficar alguns anos sem ser descoberto pelos familiares, o que só agrava o problema, já que a família é peça importante na recuperação, o que não significa que um dependente sem família está condenado a morte, pois um grupo ou mesmo uma comunidade/igreja pode assumir o papel da família na vida de um solitário. É bom lembrar que o responsável pela recuperação é o recuperando!

Com o fracasso na escola, o ambiente em casa começou a ficar insuportável, brigas passaram a ser constantes, comecei a chegar de madrugada e já não era apenas nos finais de semana, era quase todo dia, meus pais ficavam rodando pelo bairro a minha procura, mas eles nunca iam me encontrar, pois geralmente, estava dentro da favela, onde não imaginavam que seu filho poderia estar. No outro dia, seguiam eles ao trabalho sem terem dormido a noite anterior, uma situação triste, mas a esta altura, meus sentimentos já estavam cauterizados, eu não me importava, contanto que tivesse a droga, estava tudo bem!

Não dá para falar tudo a que submeti minha família, não tenho estômago, quase os destruí, hoje não carrego mais o sentimento de culpa já que tenho entendimento que se trata de uma doença, e não escolhi ter essa doença, é importante dizer que não sou responsável pela doença da dependência química, mas sou responsável pela recuperação, da mesma forma que uma pessoa não pode se culpar por ter diabetes, mas tem que ser responsável por tomar os remédios e evitar certos alimentos.


TERCEIRO FRACASSO: TRABALHO

Como minha dedicação primordial era a droga, não sobrava muito tempo para trabalhar, mas eu precisava, por dois motivos: amenizar minha situação em casa, e ter recursos (mesmo que insuficientes) para usar drogas. Arrumei um emprego perfeito, trabalhava quatro horas por dia, e tinha duas folgas na semana, logo tinha tempo para trabalhar, usar drogas e ainda descansava um pouco, minha internação foi bem nesta época.

Se por um lado não tinha qualificação para conseguir um emprego melhor, por outro, não tinha interesse em abrir mão da carga horária que favorecia meu estilo de vida. Meus empregos posteriores sempre tiveram essa característica: baixa carga horária - fiquei uns quatro anos em uma atividade onde trabalhava no máximo oito meses por ano.

Você deve estar se perguntado, se trabalhava pouco e ganhava na mesma proporção, como mantinha o vício? Além de destinar toda a renda de minhas atividades profissionais ao uso, eu roubava muito a minha família, muito mesmo, não posso quantificar, mas é mais que muito pai de família ganha no Brasil, além disso, em alguns momentos desenvolvi outras práticas que me davam algum recurso.


QUARTO FRACASSO: RELACIONAMENTO AMOROSO

Antes de começar a usar drogas, posso dizer que fui um adolescente que possuía certa facilidade em conquistar garotas, não era nada sério, até por que isso foi antes dos 15 anos, mas sempre ficava com garotas nesta época, eram apenas beijos, não havia envolvimento íntimo (graças a Deus, pois não é bom um adolescente ter esse tipo de envolvimento), depois do vício, passei a não me interessar mais pelas garotas, eu continuava gostando de garotas, continuava sendo atraído, mas não tinha tempo, dinheiro e nada mais que atraísse uma mulher, afinal, era só chutar um balde de lixo, que saia homens mais interessantes que eu na época das drogas.

Meu primeiro namoro sério, só aconteceu depois dos 20 anos quando estava em recuperação, porém depois de algumas recaídas, ela não agüentou e me largou, para falar a verdade, essa moça agüentou demais, submeti a muitas situações tristes e perigosas.

Usava-a para encobrir minha drogadição, muitas vezes usava drogas a noite toda e passava na casa dela pela manhã, pegava-a e levava para minha casa, assim todos pensavam que havia passado a noite com ela e não me drogando, deitávamos na cama e ficava lá, na nóia sem conseguir pregar o olho e ela alternando choro, orações e cochilos.

Muitas vezes levava-a a favela, a deixava em frente da favela enquanto eu descia as vielas atrás do traficante, a moça ficava largada a sorte em frente a uma favela em plena zona leste de São Paulo de madrugada.

Outras vezes, íamos ao motel, e em vez de fazer sexo, eu usava drogas, e drogado, não fazia nada além de ficar olhando por baixo da porta, ou com o ouvido na parede, imaginando a polícia chegando ou mesmo minha mãe indo para arrombar a porta do quarto e me pegar.

Sem contar que usei muita droga com o dinheiro dela, essa mulher me amou de verdade para agüentar essa situação tanto tempo, eu só amava a droga. Depois que fiquei limpo, procurei essa moça, todo feliz disse que estava limpo há mais de um ano e que havia me matriculado na faculdade e queria reparar todo mal. Ela me disse que estava feliz por mim e disse que já estava formada (é bem mais nova que eu) e já tinha um homem que estava reparando todo o mal que eu havia lhe causado. Não tem jeito, plantou, colheu!



3 comentários:

  1. Olá Fernando, que relato corajoso...
    Cada dia é uma conquista.
    Bjs Piletados.

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  2. A sua história me faz acreditar que podemos! Quando queremos e acreditamos... podemos!
    Estou muito feliz em ter te conhecido... um exemplo pra mim!

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  3. Nossa com esse depoimento estou pensando...Meu filho namorou por 3 anos e tbem usava a namorada para encobrir seu vicio, só agora estou percebendo, ele fazia a mesma coisa que vc passava tardes com ela em minha casa só dormindo. No natal me filho deixou a namorada na casa dela sozinha chorando e disse que ia ver os "amigos".

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