sexta-feira, 24 de junho de 2011

MARCAS DE UM RECAÍDO

Quando entrei pela primeira vez em uma entidade de auxílio a usuários de drogas, estava muito confuso, não tinha qualquer domínio sobre a vontade de usar drogas, todas as áreas de minha vida haviam virado de ponta cabeça e não tinha a mínima ideia de como reverter esta situação. Nesta época já fazia algum tempo que tinha a consciência que havia algo errado comigo, que meu estilo de vida não era normal, ter essa consciência, já era um grande passo, mas apesar de saber que tinha um problema, não fazia ideia do tamanho do problema, pois pensava que assim que buscasse ajuda, iria conseguir para de usar, infelizmente, estava enganado.

Era dezembro de 1997, fui levado pela minha mãe neste lugar onde ajudavam drogados, apesar de ter sido levado por minha mãe, não fui forçado, queria mesmo mudar de vida, a forma como vivia não era boa e estava sofrendo muito. Fui bem recebido no grupo, as pessoas me compreendiam não me repreenderam e tão pouco me trataram como um errante, trataram-me apenas como um ser-humano doente que necessitava de ajuda, foi tudo muito lindo, havia cinco pessoas no grupo além de mim, todos tinham o mesmo problema que eu, mas com uma diferença, eles estavam limpos (sem usar drogas).

Gostei muito do grupo e das pessoas, resolvi fazer parte e comecei a frequentar as reuniões, consegui ficar 11 dias limpo, mas voltei ao uso, lembro-me que foi muito triste, pois eu e minha família havíamos criado grande expectativa no sucesso de minha recuperação. Por ironia do destino ou propósito de Deus, o grupo e a boca (ponto de venda de drogas) ficavam na mesma rua (só que já faz uns anos que a polícia fechou aquela boca, o grupo por sua vez continua lá há mais de vinte anos sendo um instrumento de transformação de vidas), lembro-me de ter saído da viela que dava acesso a boca e avistei os companheiros se cumprimentando em frente ao grupo, nesta altura eu já estava sob efeito de drogas, mas estava consciente, aquela visão que tive dos companheiros, foi torturante, bateu um sentimento de culpa e fracasso, ao chegar em casa, minha mãe notou que estava drogado, já fazia muito tempo que não conseguia esconder.

Como desejava mudar de vida e parar com as drogas, voltei ao grupo admitindo a recaída (como sempre admiti), os companheiros me reanimaram a continuar buscando recuperação, fiquei no grupo, participando das reuniões me envolvendo com a entidade até que em menos de um mês, lá estava eu, fazendo aquilo que sabia fazer de “melhor”, usando drogas. Até que em fevereiro do ano seguinte fui internado em um sítio, uma comunidade terapêutica especializada na recuperação da dependência química, para homens.

Neste lugar, reencontrei-me com a vida, comecei a entender sobre a doença da dependência química e aprender a utilizar algumas ferramentas que seriam indispensáveis na recuperação, aprendi que necessitava admitir que tinha um problema mais forte que eu e que sozinho não conseguiria, aprendi que Deus não é um ser folclórico ou meramente mítico, mas Real, Amantíssimo e Presente, que se importava comigo e iria me ajudar, para isso eu necessitava entregar minha vida e vontade em Suas mãos, não tinha que aprender teologia, apenas conhecer alguns princípios de vida como honestidade com meus sentimentos, mente aberta para receber as ajudas e boa vontade para coloca-las em prática e ainda, se não entendesse algo, teria que pedir ajuda para colocar em prática e não deixar de lado como estava acostumado a fazer com as coisas que julgava ser difícil de realizar.

Permaneci lá, aprendendo estes princípios, me relacionando com meus iguais, trabalhando na roça ou na cozinha, lavando banheiro que mais de trinta homens utilizavam, lavando minha própria roupa na mão e principalmente regando uma semente muito especial que não sabia que havia em mim, a semente da esperança! Esta internação durou quase cinco meses.

Após a internação tentei fazer a coisa certa, trabalhava, ia as reuniões todos os dias, participava das atividades no grupo e completei sete meses limpo, mas não passou disso. 

Apesar de estar aparentemente envolvido com a recuperação, minha alma ansiava por droga, pensava em droga todo dia, imaginava-me drogado, sentia a droga entrando em meu corpo, dominando minha mente, isso tudo subconscientemente, havia passado os últimos anos da minha vida usando drogas, passei a transição da adolescência à juventude me apoiando nesta muleta, agora não tinha mais a muleta, e me sentia inadequado em relação à vida, era muito difícil viver sem drogas.

Após esta recaída as pessoas começavam a me olhar com certa desconfiança, até no grupo havia alguns (minoria) que me discriminavam, sempre davam indiretas, as vezes davam diretas, lembro-me de um companheiro de grupo ter dito para mim e na frente de umas dez pessoas, que não gostava de companheiro recaído. Foram muitas recaídas, passei anos ficando alguns meses limpo e recaindo, alguns diziam que meu tempo limpo tinha prazo de validade.

E o pior, a cada recaída, era como se eu cavasse um pouco mais o fundo do poço que era minha vida, meu organismo não suportava como antes, nos primeiros anos de drogadição, lembro que usava muita droga, todos os dias, virava a noite me drogando e trabalhava normalmente no dia seguinte, não passava mal, mas a cada recaída usava menos quantidade e ficava pior, pouca quantidade de droga já me deixa mal, tinha que ser levado ao hospital, ficava horas no soro com Plasil e Diazepan por exemplo.

Em total desespero, comecei a procurar religiões e entidades diversas de apoio a qualquer coisa, a fim de dar um basta no meu problema, mas tudo que fazia ou tentava dava certo por alguns meses, mas sempre voltava ao uso, era a mesma história só que escrita com caneta diferente.

Até que em 5/9/2006 usei drogas pela última vez!

Aquele dia pensei que iria morrer, muitas vezes eu pensei que iria morrer, mas aquele dia foi diferente, fui levado ao hospital por um grande amigo, um dos que sempre acreditaram em minha recuperação (assim como meus familiares), fui medicado mas meu corpo não reagia, meu peito doía muito ao respirar e mal conseguia andar, fiquei assim por uns três dias. Mas o pior não era o físico, era o emocional, tinha certeza que não me recuperaria, que iria morrer usando drogas.

Passaram alguns meses e parecia que a história iria a se repetir, lembro como se fosse hoje, estava dirigindo, e senti uma vontade enorme de usar, pesei “meu destino é morrer usando essa porcaria”, mas aconteceu algo sobrenatural naquele momento, senti um conforto muito grande e uma Paz que excede meu discernimento e capacidade de descrevê-la, sei que Deus, na forma como eu o compreendo (Jesus Cristo), tocou minha alma, ali, sem grupo, sem companheiro, sem oração, sem louvor, sem pastor, sem terapeuta, sem concentração, no carro, dirigindo, senti o Amor de Deus sobre mim e Sua voz doce e carinhosa dizer “Você não precisa mais disso, você tem a Mim, e isso lhe basta”.

Para finalizar, se passaram quase nove anos do momento em que entrei em um grupo pela primeira vez, até o momento em que usei drogas pela última vez, é muito tempo recaindo, por isso não posso culpar os que deixaram de acreditar em mim, mas eu aprendi com minha própria história de vida que não devo deixar de acreditar em ninguém, talvez você que está lendo este testemunho esteja em situação semelhante, talvez você já tenha pisado tanto na bola que ninguém mais acredita em você, quero que saiba que eu acredito em você, mesmo sem te conhecer, eu acredito que você vai conseguir que ficará limpo e terá uma vida de vitórias para contar, não desista!

Duas citações para finalizar: “quando a dor de usar, for maior que a dor de não usar, aí ficamos limpos” Livro Azul. “A pedra que os construtores rejeitaram, veio a se tornar a principal pedra angular” Jesus Cristo.